Maria Eduarda da Silva Parlato, 16, é estudante do 2º ano da Escola Estadual de Ensino Médio Estrela. Ela já escolheu a profissão a seguir: “Pretendo ser bióloga marinha. Sempre tive uma paixão pelos animais marinhos, então escolhi esta profissão para saber mais sobre cada um deles e para poder ajudar.” Duda, como é chamada, está entre os 61% dos jovens brasileiros interessados em seguir uma carreira verde, conforme estudo elaborado pelo Capgemini Research Institute em colaboração com a Unicef/ Generation Unlimited.
A estudante acredita que os jovens podem fazer a diferença de várias formas quando se trata de meio ambiente. “A área ambiental é interdisciplinar, e isso é uma grande vantagem, ou seja, precisa de pessoas com formações diversas.” Entretanto, ela alerta: “A formação ajuda muito, mas isso não garante que será fácil trabalhar na área ambiental, especialmente em temas ligados às mudanças climáticas.”
Ambição e ação
O estudo Capgemini/Unicef apontou que jovens do mundo todo estão engajados na luta contra as mudanças climáticas, mas falta preparo para transformar ambição em ação. A urgência por capacitação, a frustração com governos e empresas e o desejo de protagonismo formam o cenário de uma geração pronta para agir, mas que ainda precisa de apoio para liderar a transição verde, diz o estudo.
Guilherme Thomé Lenz, 19, estudante do 3º ano do Ensino Médio, em Estrela, considera as profissões verdes importantes. “Tenho bastante afinidade com biologia. Possivelmente seguirei nesta área.” Entretanto, Lenz acredita que as chances de reverter a situação atual do meio ambiente são desfavoráveis. “É uma corrida contra o tempo, não é tão simples como muitos imaginam. Acredito que o governo não está muito preocupado em ajudar, em promover a mudança.”
Na opinião Lenz, os jovens não têm muitas escolhas senão agir. “Trata-se do nosso lar, das nossas futuras famílias. Temos que fazer a diferença. Temos o a qualquer informação na palma das nossas mãos, cabe a nós entender e fazer o bom uso desta tecnologia.” Ele ainda acrescenta: “Acredito que falta indignação, perceber que não está tudo bem e bater no peito e fazer a mudança, ela parte de nós, desde as pequenas ações do dia a dia.”
Green skills
A maior parte dos jovens ouvidos no levantamento acredita que as “green skills” – habilidades técnicas e comportamentais voltadas para a sustentabilidade, como gestão de resíduos, agricultura regenerativa, energia limpa e análise de dados ambientais – são essenciais para o futuro. No entanto, há um descomo entre o interesse e a preparação efetiva.
O relatório “Youth Perspectives on Climate: Preparing for a Sustainable Future” ouviu 5,1 mil jovens em 21 países, entre eles o Brasil.
O levantamento mostra que globalmente, 67% dos jovens se dizem preocupados com os efeitos das mudanças climáticas sobre o futuro. Ainda assim, 72% dos jovens acreditam que ainda há tempo para reverter os danos causados ao planeta. A maior parte dos entrevistados também quer se engajar ativamente – seja influenciando políticas públicas ambientais (71%) ou buscando empregos verdes (53%).
A desilusão com a resposta institucional também é evidente. Mais de 70% dos jovens acreditam que governos e empresas estão fazendo pouco para enfrentar a crise climática. Entre os brasileiros, 74% dizem que os líderes políticos precisam agir mais.
ENTREVISTA
Simone Schneider – Mestre em Ambiente e Desenvolvimento
“Grande parte do ensino básico ainda trata a sustentabilidade como um tema complementar e não como uma competência essencial deste século.”
A pesquisa aponta que a maior parte dos jovens acredita que as “green skills” são essenciais para o futuro. No entanto, há um descomo entre o interesse e a preparação efetiva. Você concorda que existe este descomo?
Simone: Sim, o descomo entre o interesse dos jovens pelas chamadas green skills e sua preparação efetiva é real e preocupante e ele não decorre da falta de interesse da juventude, mas sobretudo de barreiras estruturais e institucionais. Embora muitos jovens queiram atuar na transição verde, a oferta de formação técnica e profissionalizante em áreas ligadas à sustentabilidade ainda é limitada, especialmente nas regiões mais vulneráveis. Programas de capacitação gratuitos ou subsidiados são escassos e a informação sobre as oportunidades disponíveis nem sempre chega de forma ível.Grande parte do ensino básico ainda trata a sustentabilidade como um tema complementar e não como uma competência essencial deste século.
O que falta para mudar este cenário?
Simone – Faltam políticas educacionais e de empregabilidade que estimulem a formação em setores verdes, com investimentos em infraestrutura educacional, formação de professores, parcerias com o setor produtivo e incentivos para estágios e projetos de inovação ambiental.
Mesmo em contextos onde há alguma oferta de qualificação, o mercado ainda não absorve plenamente jovens com esse perfil, seja por falta de reconhecimento das competências, seja por ausência de políticas de transição justa que liguem juventude, emprego e clima. Portanto, o descomo não está na juventude, mas em uma lacuna entre potencial e oportunidade. A juventude está pronta — mas o sistema educacional e as políticas públicas ainda não estão. Para resolver isso, é preciso reformar currículos, ampliar o o à formação técnica e construir pontes reais entre educação, inovação e empregabilidade verde.
Segundo a pesquisa, 61%dos jovens brasileiros estão interessados em seguir uma carreira verde. O mercado de trabalho está aberto para estes jovens? Em quais carreiras?
Simone – Sim, o mercado de trabalho brasileiro está receptivo aos jovens interessados em carreiras verdes. Com a crescente demanda por práticas sustentáveis e a transição para uma economia de baixo carbono, diversas áreas estão em expansão, oferecendo oportunidades promissoras. Podemos citar o mercado de energia renovável, agroecologia ou agricultura sustentável, reciclagem entre tantos outros.
Na enchente de 2024, o Vale do Taquari pode sentir os efeitos das mudanças climáticas. Na sua opinião, este evento contribuiu para despertar a consciência ambiental ao ponto de provocar uma mudança de comportamento nas pessoas?
Simone – Sim, a enchente de 2024 no Vale do Taquari foi um marco traumático — mas também um ponto de inflexão. Eventos extremos como esse têm o poder de romper o cotidiano, escancarando as consequências reais da crise climática e, inevitavelmente, despertando reflexões profundas sobre nosso modo de vida, nosso modelo de ocupação territorial e a urgência de agir.
O que mais o desastre de maio de 2024 revelou?
Simone – O desastre provocou uma reação imediata de solidariedade e engajamento comunitário, o que é típico em situações de calamidade. Mas, mais do que isso, ele expôs com força o vínculo entre degradação ambiental, ocupação urbana desordenada e vulnerabilidade social. Isso tem, sim, impulsionado uma consciência ambiental mais crítica, especialmente entre os mais jovens. Ele não só despertou consciência, como teve o potencial para redirecionar trajetórias, especialmente da juventude. Mas para que esse impulso não se perca, ele precisa ser nutrido com políticas públicas, investimento em educação ambiental e oportunidades reais de formação e inserção profissional.