Gerações aram pelas salas de aula das escolas São João Bosco e Dom Pedro I. Os dois educandários, à beira da rua Henrique Stein Filho, guardam histórias das comunidades.
A Escola Estadual São João Bosco completou 85 anos em maio e, quando foi inaugurada, em 7 de maio de 1940, era a oitava do tipo em Lajeado, época em que o prefeito era João Frederico Schaan. Duas professoras formavam o corpo docente, a diretora Diva Martins de Souza e a professora Andradina Machado.
A escola começou como Grupo Escolar de Conservas e funcionava nas antigas instalações da fábrica Oderich, junto à beira do Rio Taquari. Foi essa indústria de conservas que deu nome ao bairro, quando instalou uma filial na década de 1920 na localidade.
A fábrica de conservas fechou no fim dos anos 1930 e parte de seu complexo ou a ser usado pela Escola São João Bosco. Da velha Oderich, ficou o nome do bairro: Conservas. A denominação foi definida em 1939. Até então, a localidade era conhecida como São Bento do Sul, assim como as terras do atual Jardim do Cedro.

Em desenho, o primeiro prédio onde funcionou a Escola São João Bosco, em parte do complexo da Fábrica Oderich, no Conservas (foto: Arquivo Escola São João Bosco)
Um novo endereço
A mudança da São João Bosco para o endereço atual ocorreu em 1958, quando o governo de Ildo Meneghetti construiu o prédio principal. Nesse período, a escola também deixou de se chamar Grupo Escolar e recebeu o nome de São João Bosco, em homenagem ao santo católico.
Esse primeiro prédio ainda abriga a escola, que sofreu ampliações ao longo dos anos. Em 1985, novas salas foram erguidas e, nos anos 1990, um novo bloco foi construído, assim como a quadra esportiva.
Quem acompanhou a inauguração dos novos espaços foi Lení Dias, 53, hoje responsável pelo financeiro da escola. Há mais de 30 anos no educandário, iniciou como auxiliar istrativo em 1993.
“Saí de Marques de Souza e vim morar em Lajeado, com uma trouxinha e coragem. No mesmo dia em que me mudei, comecei a trabalhar na escola. Me disseram:‘sobe no ônibus e pede pela escola do Conservas, depois desembarca e sobe o matinho’”, recorda.
Na época, a rua Henrique Stein era de chão batido. “Não tinha nem telefone fixo e a escola atendia só até a 5ª série”. Hoje, o educandário recebe alunos até o 9º ano do fundamental.
De aluna a diretora
Não muito longe da escola, cresceu Noemia Dickel Sulzbach, 74. Natural de Teutônia, veio com a família para Conservas na década de 1950, ainda bebê. No ano em que a escola iniciou as atividades na rua Henrique Stein Filho, Noemia começou com os estudos, aos 7 anos. “O bairro tinha poucas casas, eram umas três até a escola. Eu e minhas irmãs íamos a pé, todos os dias”, lembra.
Na época, o único caminho era pela Avenida Beira Rio, ainda de chão batido. “Nos dias de chuva, levávamos os tamancos na mão para não sujar de barro. Só tinham plantações e potreiros no caminho”, conta.
Noêmia estudou no prédio antigo da São João Bosco, época em que a diretora morava junto à instituição. “Não existiam brinquedos no pátio, mas a gente inventava brincadeiras. Fiz muitas amizades lá”.
Professora, com formação em história, anos depois, Noêmia começou a dar aulas na escola, em 1987. Trabalhou por anos na instituição e foi inclusive diretora.
Moradora de Conservas ainda hoje, criou os três filhos no bairro, junto do marido. “Os três estudaram na São João Bosco e hoje é a vez do meu neto.”
A “escolhinha dos alemães”
No Jardim do Cedro, a centenária Escola Municipal Dom Pedro I é uma das mais antigas de Lajeado. Fundada em 1919 por 14 famílias de origem alemã, era chamada de Deutsch Evangelische Schule na época. O educandário era mantido por uma sociedade, formada pelos pais dos alunos, que bancavam o funcionamento.
As atividades iniciaram em 1920, com todas as aulas em alemão, com 15 alunos, da 1ª a 4ª série. Durante a Segunda Guerra Mundial, a escola mudou o nome alemão para Dom Pedro I.

Foto: Arquivo Escola Dom Pedro I
Em 1963, o educandário ou a funcionar no endereço atual onde ficou mais ível, já que nos anos 1950 Theobaldo Stein abriu uma estrada geral até Conservas, a atual rua Henrique Stein Filho. Uma pequena salinha foi erguida próxima da estrada, nas terras de Bernardo Rossner, onde uma professora dava aula para todas as turmas.
Ainda hoje a estrutura existe na escola, no meio do pátio, e serve como sala dos professores. A Dom Pedro I foi municipalizada em 1993, época em que já tinha mais prédios.
Foi nessa primeira estrutura da escola que a professora Rose Maria Pilz, 56, começou a dar aulas. O ano era 1988 e o caminho até a Dom Pedro era de estrada de chão e cercado de mato. “Tinham duas casas pelo caminho até a beira do rio, eu vinha a pé lá do Praia, já que não tinha ônibus para cá”, lembra Rose.
Há 40 anos na área da educação, começou como professora dos anos iniciais na Dom Pedro I e depois se tornou orientadora educacional. Ainda hoje, Rose trabalha na escola, mas na educação especial, com a sala de recursos. “Quando comecei aqui, a escola ainda era particular, mantida pela sociedade de fundadores. Eles chamavam de ‘escolinha dos alemães’, por causa da origem histórica”, conta.
Dos prédios que formavam a escola naquele tempo, ficou somente o mais antigo. “Não tinha biblioteca, nem merendeira. Era a gente que fazia os lanches e limpava a escola, junto dos alunos e da comunidade. A família Rossner sempre separava comida como doação para a escola, eles eram da antiga sociedade mantenedora”, lembra.

O prédio mais antigo da Emef Dom Pedro I foi inaugurado em 1963 na rua Henrique Stein Filho e existe ainda hoje
A professora recorda de uma época onde as práticas em sala de aula podiam extrapolar os limites da escola. “Fazíamos caminhadas pelo bairro com os alunos, o Jardim do Cedro tinha menos movimento”. Não somente na escola, mas Rose acompanhou a evolução do bairro. “Ao longo desses quase 40 anos na Dom Pedro, vi muitas transformações. Hoje, olho o porte que ela tem e vai ter com as novas obras, mudou completamente, o que é muito bom”. Na época em que começou, a escola só atendia do pré até a 5ª série. Hoje, a Emef recebe alunos até o 9º ano.
Gerações no bairro
A família Stein é uma das mais antigas no Jardim do Cedro. Henrique Stein Filho, que dá nome a uma das principais ruas do bairro, era bisavô de Marisa Stein Toepper, 61. A professora aposentada cresceu nas terras da família que, por muito tempo, foi dona de boa parte do Jardim do Cedro. “Meu avô, Theobaldo Stein, comprou toda essa área quando casou em meados da década de 1930. Foi adquirindo mais terrenos com o tempo. Ele era um colono forte, tinha muitos animais e lavoura”, conta Marisa.
Na casa do avô, ela lembra de uma antiga cristaleira, onde ficavam expostos os troféus e prêmios que o avô conquistava na pecuária. “Ele inclusive ajudou na fundação da Acsurs. Era um homem envolvido com a comunidade, foi vereador duas vezes em Lajeado e ajudou na reconstrução da Igreja Matriz depois do incêndio e em outras obras comunitárias”, cita a neta. Stein participou do Legislativo nos anos 1960 e foi também um dos agricultores que ajudaram a fundar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lajeado (STR), em 1963.
No começo, a família morava numa casa enxaimel, tombada pelo município. Depois, nos anos 1950, construíram uma nova residência para abrigar os 12 filhos de Theobaldo. “Lembro que a minha avó tinha as de comida enormes, isso porque, além dos filhos, ela também alimentava os empregados do meu avô”, conta. Theobaldo Stein também tinha um moinho na propriedade, onde ensacava farinha de milho para venda.

Família de Theobaldo e Luísa Stein, em frente à casa que ainda existe perto da escola (foto: Arquivo Marisa Stein Toepper)
O envolvimento comunitário da família Stein continuou através das gerações. O pai de Marisa foi presidente por anos da Comunidade Católica Santo Antônio, no bairro Conservas. “Durante os anos 1970, eram feitas festas na Escola São João Bosco, ao lado, para arrecadar recursos. Lembro que minha Primeira Comunhão foi na escola estadual”, comenta.
Apesar disso, Marisa estudou os anos iniciais na Escola Dom Pedro I, no Jardim do Cedro, quando só tinha um único prédio e uma professora para todas as séries. “Tinha uma capunga atrás da escola, uma para os meninos e outra para as meninas. A gente só falava alemão entre os colegas”. Anos mais tarde, em 1985, Marisa retornou à escola, mas como professora. Ela ficou na Emef até 2001. “Uma coisa que sempre foi
muito presente tanto na escola, quanto na comunidade, era esse espírito coletivo, onde todos se engajavam”, lembra.

Foto: Arquivo Escola Dom Pedro I